NARRATIVAS DE FORMADORES DE PROFESSORES DE QUÍMICA
Fábio Lustosa Souza
ISBN: 978-65-991147-0-0
DOI: 10.46898/rfb.9786599114700
Presentación
Vivemos em um tempo complexo. A atividade docente é complexa. Precisamos compreender quais sentidos e significados estamos construindo para a profissão do/a professor/a. Temos nos perguntado, recorrentemente, sobre como estamos preparando os futuros professores, ou quais as bases epistemológicas, teóricas e metodológicas orientam nossas ações educativas e o processo pedagógico como um todo. O egresso da formação inicial e aqueles em formação continuada deverão possuir um repertório de fundamentos e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos - resultado da execução do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e do percurso formativo vivenciado, cuja consolidação se dará ao longo do exercício da profissão.
A Organização Didático-pedagógica, que consta no PPC de um curso, é uma dimensão muito relevante para seu processo avaliativo inicial, ao ser solicitada junto ao Sistema e-MEC, a autorização, o reconhecimento ou a renovação de reconhecimento de curso. O currículo é altamente influenciado pelos ambientes social, econômico, político, e cultural, que mudam ao longo do tempo, e são dependentes do contexto local, nacional e internacional, que justificam a oferta do curso na região geográfica em que está inserido e no conceito de preparação de estudantes para um mundo cada vez mais complexo, global e mutante.
As políticas institucionais de formação, as diretrizes curriculares dos cursos superiores e o mercado de trabalho têm sido fortes filtros no âmbito dos cursos, determinantes de seus objetivos explicitando sua articulação com o perfil profissional dos egressos. Todavia, há outros filtros que influenciam nas decisões curriculares tais como fatores pragmáticos, facilidades e oportunidades, características dos corpos docente e discente, entre outros. Sua estrutura curricular, com tendências internacionalizadas a exemplo de programas de mobilidade internacional, como o Erasmus Mundus, entre outros, deve trazer de forma clara os componentes obrigatórios e optativos, e outros aspectos, entre os quais estão a flexibilidade e acessibilidade pedagógica e atitudinal.
A Prática como Componente Curricular (PCC) na formação inicial de professores, prevista a partir do Parecer CNE/CP 02/2002, com sua permanência nas novas diretrizes do Parecer CNE/CP 02/2015, também assume um importante papel na formação do/a futuro/a professor/a pela necessária articulação entre a teoria e a prática na formação inicial, o que justificou a introdução da obrigatoriedade de 400 horas, distribuídas ao longo do processo formativo. Em 2002, nos perguntávamos o que seria essa Prática como Componente Curricular, e chegou-se à conclusão que esta deveria ser considerada como um conjunto de atividades formativas que propiciariam vivências na aplicação do conhecimento específico, bem como dos procedimentos inerentes à docência. Com a Resolução CNE/CP 02/2015, que definiu as novas diretrizes para os cursos de licenciatura, temos a inclusão do inciso IV
“- 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição.” (BRASIL, 2015, p.11)
Como se percebe, já há a algum tempo preocupação com a prática do professor/a em sala de aula, que se consolidou nas licenciaturas como componente curricular, aprimorando a formação do/a professor/a, fugindo do lugar comum de mecanismo para cumprimento da carga horária mínima do curso, contribuindo para a sua organicidade. Por outro lado, a atividade teórica, indissociável da prática, proporciona um conhecimento tal que o futuro professor necessitará para adequar sua prática pedagógica, para lidar com seus pensamentos e com a sustentação das mudanças da realidade, quando necessário.
Assim, a presente obra se constrói sobre os dados de uma pesquisa que subsidiou a defesa da tese de que “A prática docente de professores-formadores de professores de química, expressa em relatos de suas ações pedagógicas, denota transição nas concepções e práticas de ensino no IFMA, ao serem consideradas concepções epistemológicas e pedagógicas que emanam de diretrizes oficiais e institucionais, apesar dos docentes formadores serem oriundos de uma formação que se situa no modelo da racionalidade técnica.”, e tem seu aporte epistemológico na pesquisa narrativa sobre as experiência vividas pelos sujeitos colaboradores.
Desde o início da obra, Lustosa, o autor, nos remete à reflexão de uma afirmação antiga de que para ser professor já “nascemos com o dom”, quando no Capítulo 1 traz suas reminiscências de vida e de formação, a cujo modelo tece várias críticas. O despertar docente do autor, ainda na adolescência, se deu na reprodução do cenário educativo tradicional diário, iniciando ali, a construção de seu percurso para sua definição profissional. Nesse mesmo capítulo, traz autores que ponderam sobre o processo de formação inicial de professores, da maioria das universidades, muito centrados, ainda, na racionalidade técnica, embora seja perceptível nos últimos anos um movimento que se afasta desse panorama na preparação profissional, dentro de um contexto “bancário”, criticado por Freire. Lustosa vai nos guiando por seu percurso de sensibilização e de percepção do que representa a melhoria das práticas docentes. Evidenciam-se, nesse capítulo, etapas de uma metamorfose necessária ao docente, que se permite reformar o pensamento, que traz a multirelação e a contextualização, no viés da aprendizagem interdisciplinar e colaborativa, considerando as implicações de sua práxis pedagógica na existência humana de seu alunado.
No Capítulo 2, o autor apresenta o Sistema Federal de Ensino Tecnológico dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, cuja natureza pluricurricular, em estrutura multicampi, oportuniza a oferta de licenciaturas, entre as quais a de Química em seis campi. Lustosa discorre sobre a organização curricular do curso, que tem como proposta ser inovador, integrando diversas áreas do conhecimento. O corpo docente é, em sua maioria, titulado em nível stricto sensu, sendo que a maioria absoluta – 25 de 30, atende também ao curso técnico de Ensino Médio, tendo que atuar em diferentes funções.
A pesquisa para o desenvolvimento de uma tese que emprega como abordagem metodológica a narrativa é significativa no campo da educação, por dar espaço ao indivíduo professor como ser social, em tempos e espaços diversos, permitindo ao pesquisador compreender as vidas experienciadas e, explicitar percepções e caminhos percorridos pelos colaboradores da pesquisa, contribuindo com saberes de mesmo campo epistemológico, permitindo-lhe questionar os sentidos e significados de suas vivências e aprendizagens. Assim, no Capítulo três, em A pesquisa narrativa na formação de professores de Química, o autor apresenta um breve referencial sobre a pesquisa narrativa desenvolvida por ele, e como considera as vozes, os relatos e as memórias dos sujeitos envolvidos como dados vivos de suas histórias, (re)interpretadas pelo pesquisador, que também narra a sua própria.
No capítulo quatro, Ideias expressas/subjacentes em relatos de formadores de professores de Química sobre suas práticas docentes: entre o Dito e o Prescrito, o autor após ouvir as narrativas sobre as vivências dos professores, sujeitos colaboradores de sua pesquisa, as reconstrói e reinterpreta seus significados, visando fomentar reflexões para a construção de novos referenciais para a prática de ensino dos formadores de professores. O autor descreve os métodos empregados e apresenta os docentes utilizando pseudônimo, atendendo à ética profissional da não revelação de suas identidades. As análises dos relatos das vivências nas entrevistas semi-estruturadas obtidas, se deram à luz da Análise Textual Discursiva, de Moraes e Galiazzi (2006).
Assim, Lustosa, ao dar voz aos seus colegas docentes empregando a narrativa, lhes permite um discurso próprio e revelador de lacunas e dificuldades em desenvolver práticas pedagógicas diferenciadas no processo de formação de professores, “[...] que sejam capazes de romper com uma formação tradicional de ensino[...]” e “[...]que o ensino de ciências promova formação para reflexão crítica e reflexiva, com a apropriação dos conhecimentos científicos como uma forma de ler e interpretar o mundo ao redor. [...]”.
A pesquisa vai mostrando, à medida em que os docentes sinalizam para a necessidade de desenvolvimento de autonomia, de estímulo ao raciocínio crítico e de superação de velhas práticas tradicionais de ensino, que para propiciar a efetiva aprendizagem da Química e da futura docência pelos alunos, é preciso considerar a subjetividade dos acadêmicos, devendo haver “coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor”, possibilitando novas formas críticas de pensar. Sobre esses aspectos, o autor, apoiado em diversos teóricos do campo da prática docente, chama a atenção para “a necessidade de uma ruptura curricular do paradigma cartesiano, ainda hegemônico nas práticas formativas, a fim de propiciar ao aluno formação crítica e reflexiva”. É interessante destacar que o PPC, do curso de Licenciatura em Química analisado na pesquisa, traz a defesa de que os professores ultrapassem os limites da racionalidade técnica, tendo tempo e espaço para desenvolverem suas próprias práticas de forma competente, crítica e construtiva.
De forma clara e ancorada em teóricos, neste capítulo Lustosa leva o leitor a ponderar sobre quatro importantes aspectos: i) Indícios de práticas pedagógicas diferenciadas de formadores de professores: processos em construção; ii) Para além da Intencionalidade: lacunas e dificuldades; iii) A reflexão da prática docente em química, e iv) A pesquisa e a extensão no ensino de química. E nos mostra o entrelaçamento dos conhecimentos teóricos com a prática vivenciada no cotidiano que levem o professor formador a analisar as condições sociais, políticas e econômicas que interferem em sua prática pedagógica, critica o modelo da racionalidade prática, e afirma, apoiado em Pereira (1999), que “a prática não é apenas a aplicação de conhecimentos científicos e pedagógicos, mas lócus de reflexão e criação, onde conhecimentos são constantemente gerados e modificados.
Ao longo do capítulo, as narrativas vão alternando nuances de tendências pedagógicas mais tradicionais e algumas com uma ênfase na compreensão da realidade histórico-social, de problematização social dos conteúdos e do cotidiano dos estudantes, de valorização de seus conhecimentos prévios e, enfim, de sensibilização transformadora, libertadora. Os estudantes são protagonistas de seu conhecimento e os diferentes saberes docentes utilizados para desempenhar suas funções devem oportunizar esse protagonismo. Nessa tendência pedagógica mais progressista a relação professor-aluno é horizontal, mais próxima e de cumplicidade.
A prática docente se estrutura a partir da realidade concreta e os métodos empregados se relacionam com a vivência do grupo, sendo esse último tipo de grande relevância para a Educação com tendência histórico-crítica, e é amplamente defendido por vários teóricos que se debruçam sobre o tema. Os docentes colaboradores desta pesquisa referem-se à pesquisa e à extensão como oportunidades formativas, pois ensinar a pesquisar “é tomar a pesquisa como instrumento de ensino, de aprendizagem e de avaliação.”
A leitura do contraste entre colaboradores dessa obra é interessante e mostra lacunas que ainda existem no curso de Licenciatura em Química estudado, e que também é necessária a preocupação com a formação de pesquisadores da educação. As narrativas dos formadores de professores revelam seu desconhecimento de princípios e fundamentos epistemológicos, e precisam ressignificar sua prática docente.
Encerrando a obra, no Capítulo 5, EM BUSCA DE NOVOS/OUTROS OLHARES PARA OS FORMADORES DE PROFESSORES DE QUÍMICA... com o olhar de professor-pesquisador, Lustosa retoma sua tese inicial, e tenta entender como ocorreu a formação dos formadores de professores de química e de sua identidade profissional docente e, o autor, após escutas atentas aos sujeitos colaboradores, apresenta dez proposições que possam contribuir na prática formativa e na superação do paradigma de formação cartesiana e, assim, transformar a escola a partir da reformulação efetiva do Projeto Pedagógico da Licenciatura em Química, do IFMA.
Finalizo esse prefácio com a certeza de que essa obra que, além de meu próprio aprendizado como formadora de futuros educadores e avaliadora de cursos de Licenciatura, muito contribuirá para avanços não apenas do curso de Química do IFMA, mas para qualquer outro curso de Licenciatura, pois ele traz não apenas fundamentos teóricos e metodológicas, mas sobretudo, epistemológicos que levarão o docente a refletir sua própria práxis pedagógica e buscar inovar, qualificando cada vez mais seu curso de formação de professores.
Fecha de publicación:
17 de janeiro de 2021 22:24:01